A minha viagem a Cabo Verde

O início.

Tudo começou à quase 10 anos atrás, quando o meu cunhado, que é natural de Lisboa, e na grande cidade permanecia desde que terminou a faculdade. Através de uma proposta de trabalho para um escritório em Cabo Verde ( Ilha do Sal ), que apesar do normal receio do desconhecido, acabou por aceitar.
Os convites para lá ir foram sempre amavelmente recusados, devido ao preço das viagens ser muito elevado para uma família com dois filhos.
Passagens, passaportes e vistos para 4 pessoas é caríssimo, tendo tem conta que vivemos numa ilha portuguesa, sem voos directos.
Com uma poupança considerável, lá foi possível aceitar o convite e fazer o que talvez será a viagem de uma vida.

A longa viagem.

O fazer das malas, combinar a boleia para o aeroporto, nada disto fazia-nos ainda sentir oficialmente de férias. A primeira viagem, de aproximadamente uma hora e trinta minutos, foi um verdadeiro desafio, porque fazer qualquer coisa com duas crianças, para quem não sabe, é uma incerteza capaz de fazer qualquer pessoa ganhar um tique nervoso. Nessa azáfama toda, rebentei a correia do meu relógio. Fiquei chateado, mas mal sabia eu que era uma das melhores coisas que tinham acontecido antes de entrar verdadeiramente em modo férias.
Seguiu-se uma espera no aeroporto de Lisboa pelo próximo voo, que acalmou os ânimos, encheu as barrigas e esticar de pernas necessário para a longa viagem de 3 horas e quarenta minutos que nos esperava.
Os miúdos finalmente cederam ao cansaço e deram descanso por algum tempo.
No dia da viagem dei um jeito nas costas e não conseguia posição para estar sentado por quase quatro horas, foi sem sombra de dúvida, a pior viagem até ao momento.
Li a revista do avião de A até Z, as instruções de segurança, tentei encostar a cabeça ao vidro, na mesa em frente, já agora aviso que é praticamente impossível para alguém que não faça parte de um Circo certificado.
Passamos por cima das ilhas Canárias pouco antes de começar a descida, um flashback da última vez que tinha lá ido com a minha cara metade, encheu-me de boas lembranças.
Ao deslumbrar Cabo Verde do ar, os pontos de luz eram tão afastados que pensei que fossem as diferentes ilhas, afinal estava enganado.
Quando aterramos, apesar de ser por volta da meia noite e meia, esperava calor, até porque o piloto anunciou que estavam 27 graus.
Não foi preciso muito tempo para vestir um casaco, porque o percurso com cerca de 200 metros até ao interior do aeroporto é feito a pé. Havíamos decidido fazer os vistos à chegada, porque se fossem feitos previamente custavam 44 euros por pessoa, e feitos à chegada custavam apenas 25 euros por pessoa. Faz diferença para quem poupou muito tempo para poder fazer esta viagem.
Quando finalmente chegámos ao interior do aeroporto, fomos apresentados aos tais 27 graus que o piloto tinha anunciado previamente. O vinho que tínhamos bebido a bordo do avião começava a fermentar e uma secura terrível tinha nos atacado violentamente. Deixo já um aviso, a água em Cabo Verde não é potável ! Salvo por uma SMS ao meu cunhado, num momento lúcido a meio daquela secura terrível, louco para atacar a torneira do WC do aeroporto.
Uma fila de aproximadamente 200 pessoas para os vistos, juntamente com a secura, quase provoca um ataque de pânico, salvo por uma senhora que nos diz umas palavras mágicas:

- Quem viaja com crianças tem prioridade.

Quase me sentia mal estar a passar à frente daquela gente toda, mas a verdade é que os miúdos estavam a sofrer mais que nós, pela sede, apesar de não terem bebido vinho no avião, e pela espera.

Nota: informaram-me que a partir de Janeiro de 2019 não será preciso o visto para quem vem de Portugal.

Ao entrar no carro da nossa boleia, a primeira coisa que reparei foi na escuridão das estradas. Ao passar pela primeira cidade percebi que o que tinha visto no avião não eram as diferentes ilhas, mas sim as cidades e vilas unidas por estradas sem iluminação.
O momento da noite foi ao chegarmos à recepção do hotel, apesar de irmos ficar na casa ( Vila ) do meu cunhado, que é dentro do Hotel, para nos darem as maravilhosas pulseiras para os comes e bebes.
Uma autêntica bóia de salvamento ao nosso modesto orçamento para as férias.
Com esta história toda, chegamos à casa por volta as 2 da manhã, exaustos ao ponto que quase não ter forças para tirar a roupa para nos deitarmos.

Primeiro dia.


O nosso filho mais novo, como habitual nos dias em que podemos dormir mais um pouco, acorda por volta das 8 da manhã, e como a criança que ele é, não descansou enquanto não nos acordou.
A manhã não estava grande coisa, mas finalmente cheirava a férias ! Cama estranha, casa estranha, lugar estranho e país estranho.
Já não fazia férias num hotel à 10 anos, lembrava-me vagamente de como funcionavam as coisas, mas rapidamente chegamos a um restaurante no resort e comemos a nossa primeira refeição. Não me lembro muito, porque estava concentrado em tudo o que se passava em nosso redor, absorver o máximo daquela nova experiência, viver o momento.
Haviam vários tipos de restaurantes, vários tipos de comidas e vários horários.
Fiquei meio desiludido com a primeira experiência alimentar, porque além que não chegar às minhas expectativas ( erro por tentativas ) , as pessoas pareciam que estavam ali de férias para se alimentarem o máximo possível, e isto ficou cada vez mais claro ao longo dos dias.
Não sei se era porque tentavam comer o valor correspondente ao que tinham pago por dia no resort, mas desconfio não estar muito longe da realidade.
Por estarmos num resort, apesar do tempo não estar grande espingarda, tivemos que levar os miúdos às prometidas piscinas. A água estava gelada ! Não sei porque pensei que fosse estar quente, porque tal como já referi, o céu estava nublado e estávamos a mais de meio do mês de Dezembro.
Apesar de tudo estava certamente um pouco mais quente do que de onde tínhamos saído.
Com o passar dos dias, mesmo com o sol escondido maior parte do tempo, continuamos a desfrutar a nossa estadia dentro e fora do resort.


Salvo erro, o primeiro lugar que fomos, foi às salinas. Um género de mar morto dentro da boca de um vulcão adormecido. O cheiro a enxofre foi a primeira coisa que reparei, depois nas óbvias salinas e uma lagoa.
Nessa lagoa podemos entrar, depois de pagar 5 euros por pessoa e, tal como referi é como o mar morto, ficamos a boiar inevitavelmente sem esforço algum. Numa parte que ainda tinha pé, com algum esforço, toquei com o pé no fundo e ele estava quente, quase no ponto de não conseguirmos aguentar.
A cidade da Palmeira, que se seguiu às salinas, a realidade social era completamente diferente do resort, onde estava repleto de abundância e desperdício alimentar.
E por falar em alimentar, provei algo novo: Cracas.


Na Palmeira era tudo muito modesto, as crianças corriam descalças, haviam muitos cães subnutridos nas ruas. As casas, estradas e pessoas estavam carecidas de cuidados. É um lugar muito seco e pouco convidativo para se viver fora dos resorts.
Depois passamos por Santa Maria e Espargos.










Fui aí que comecei a fazer perguntas.
Qual é o ordenado mínimo aqui ?
Qual é a maior fonte de rendimento?
Como é que as pessoas vivem e se tratam ?

Pelo que descobri, maior parte das pessoas vive com os pais, porque as casas à venda ou rendas são caras para a maior percentagem das pessoas que ganham o ordenado mínimo, 250 euros nos resorts e 120 euros nos outros sectores.
Isto é verdadeiramente impressionante depois de irmos a um mini-mercado e comprarmos meia dúzia de coisas por 85 euros. Ou 20 euros por 15 cervejas importadas.
A cerveja local não é má na primeira impressão, mas depois de algumas, instala-se uma dor de cabeça a escalar quase ao nível de uma enxaqueca.

Tempo de reflectir

Quando me deparo com estas situações, fico assustado pela miséria, admirado com a capacidade de adaptação e desenrasque, e feliz por pensar que tinha problemas fúteis comprados com os que elas tinham e são felizes na mesma.
Estamos numa era consumista, em que o Natal já não é só estar com a família mas sim pelos presentes e valor monetário dos mesmos.
Por exemplo: um presente de 10 euros é pouco, vamos comprar mais alguma coisa.
E isto é para uma pessoa que nem é muito nossa amiga, basicamente só os vemos em convívios.
Isto é um cérebro com uma lavagem da sociedade dos tempos actuais.

O sol aparece !



4 dias depois de chegar, o sol finalmente ganha força e aparece com um fundo azul.
Escusado dizer que, com quatro dias sem ter de deitar protector solar, apanhei um escaldão no primeiro dia de verão de Dezembro Caboverdiano.
Depois de gastar quase 1/2 do frasco de after sun durante o final de dia e noite, um truque que aprendi nas últimas férias, fiquei com metade do escaldão, e com o protector solar grau 50 para não piorar a situação, fizemos praia e piscina diariamente, várias vezes por dia. A água no inverno é da mesma temperatura que na Ilha da Madeira no verão.

As saídas à noite.






Saí à noite apenas duas vezes, porque já começo a ficar sem pachorra para isso, e foi uma vez melhor que a outra.
A primeira, porque depois de alguns copos achamos que seria boa ideia conhecer a noite local com os locais. Não foi como tinha pensado. No princípio, nos bares foi engraçado, mas quando nos enfiamos num género de discoteca que estava a rebentar pelas costuras, não gostei, pelas mesmas razões que não gosto de fazê-lo onde vivo.
Mau gosto musical, demasiado alto, calor, demasiada gente e 10 a 15 minutos para pedir uma bebida.
Na segunda saída, fui vítima da Strela, a cerveja local. Depois de umas 6, fui atacado pela enxaqueca kriola que obrigou-me a parar de beber e inclusive tomar um ben-u-ron de 1Gr, tal era o mal estar.
Acompanhei fisicamente, mas sem beber com receio que o efeito do paracetamol fosse cortado e a enxaqueca kriola instalasse novamente o caos na minha cabeça.
Isto corre bem até ao momento que encontramos o dono do resort, que acabou por nos oferecer Moet Chandon.
Confesso que arrisquei que o furacão kriolo desse a volta, e devastasse os neurónios sobreviventes em troca de alguns copos daquele espumante suave e delicioso.
Mas valeu a pena, o bem mais uma vez ganhou o mal, e depois da tempestade kriola veio a bonança, umas horas daquela boa disposição que o lubrificante social que é o álcool, nos dá.

Regatear Souvenirs

Como já era de esperar, todo que tinha à venda no resort era um pouco mais caro que no resto da ilha, excepto nos locais igualmente turísticos.
Umas simples pulseiras a dizerem cabo verde no resort custavam 4 euros.
Um dia na praia vi um homem a fazer pulseiras iguais. Da primeira vez que perguntei o preço era 10 euros cada.
Disse-lhe muito surpreendido com o preço, que no hotel pediam 4 euros por elas, logo nunca iria dar 10 euros.
Então ele acrescentou:
Como falamos a mesma língua, faço por 2 euros.
Hilariante.
Mas nem sempre foi assim, numa situação perguntaram o nome da minha mulher, disseram que era um lindo nome, era o nome da mãe dele e ofereceu um colar, arrastando um sentimento de obrigação a comprar algo ao homem para compensar.
Ele fez o mesmo à minha filha e às mulheres que seguiam. Ou a mãe ele tem muitos nomes, ou ele nem sabia o nome da mãe, ou era um Trump Caboverdiano on the making.

Jantar em casa de locais.

Fomos convidados para jantar com alguns locais já conhecidos e digo desde já que foi a melhor refeição e tratamento desde que fui de férias. Pessoas muito simples e super amáveis e amigas. Apenas coisas boas para descrever a experiência.

As horas não passam.

Não consigo explicar se foi por estar de férias, se foi por o relógio ter rebentado já na viagem de ida, se em Cabo Verde é mesmo assim, mas os dias pareciam em câmara lenta.
Sempre que alguém perguntava as horas, pensando que já tinha passado muito tempo depois da última vez que perguntaram, mas era sempre muito mais cedo que esperávamos.

A breve passagem por Lisboa.

Uma diferença de temperatura quase me faz entrar em choque térmico, às tantas da manhã, ainda por cima para um auto carro com as janelas todas abertas.
Na passagem pelos passaportes para mudar de voo, instalou-se quase uma situação de pânico devido a um lapso de uma das pessoas que estavam a controlar, que chamavam por passageiros para a Ilha da Madeira, que estava quase a fechar as portas.
Corremos como se a nossa vida dependesse disso, quando chegamos à porta, ela já estava fechada. O horror instalou-se momentaneamente, até descobrirmos que o nosso voo afinal não era aquele, mas sim um 40 minutos depois, noutra porta.

Resumindo.

Adorei os momentos vividos em Cabo Verde, foram verdadeiramente relaxantes e cheios de memórias para guardar por muitos anos.
Aproveita o Hotel mas convém sair e falar  pessoas nativas para conheceres um pouco melhor o que vai atrás da cortina turística.
Recomendo vivamente, se a ideia é relaxar o máximo possível.

Comentários

  1. Excelente relato.
    Repetias a viagem? A mesma viagem....

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  2. Air Lander lololll ri-me do inicio ao fim, com toda a vossa hilariante aventura, adorei a forma tao criativa e divertida como escreves, quase me convencias a ir a Cabo Verde...ehehh mas é muito parado para mim, só mesmo se fosse em pleno verao para tostar na praia e nas aguas quentes...em genero escapadela de poucos dias. Espero que o furacão kriolo não tenha deixado sequelas em tão eminente cabecinha para poderes continuar a produzir conteudos deste genero. beijinhos

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    1. Obrigado pelo feedback. Cabo Verde é um bom lugar para relaxar e fazer praia. Mas a minha experiência foi vivida à minha maneira, outras pessoas podem achar algo completamente diferente.

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